O
Egoísmo
☼ Sem dúvida,
louváveis esforços são feitos para que a humanidade avance; encorajam-se,
estimulam-se, honram-se os bons sentimentos mais do que em qualquer outra época
e, entretanto, o verme roedor do egoísmo continua sendo sempre a chaga social.
É um mal real que recai sobre todo o mundo, do qual cada um é mais ou menos
vítima. É preciso combatê-lo como se combate uma doença epidêmica. Para isso,
deve se proceder à maneira dos médicos: ir à origem. Que se procurem, então, em
todas as partes da organização social, desde a família até os povos, desde a
cabana até os palácios, todas as causas, todas as influências evidentes ou
escondidas que excitam, mantêm e desenvolvem o sentimento do egoísmo; uma vez
conhecidas as causas, o remédio se mostrará por si mesmo. Restará somente
combatê-las, senão todas de uma vez, pelo menos parcialmente e, pouco a pouco,
o veneno será eliminado. A cura poderá ser demorada, porque as causas são
numerosas, mas não é impossível. Isso só acontecerá se o mal for atacado pela
raiz, ou seja, pela educação; não pela educação que tende a fazer homens
instruídos, mas a que tende a fazer homens de bem. A educação, bem entendida, é
a chave do progresso moral; quando se conhecerem a arte de manejar os
caracteres, o conjunto de qualidades do homem, como se conhece a de manejar as
inteligências, será possível endireitá-los, como se endireitam plantas novas;
mas essa arte exige muito tato, muita experiência e uma profunda observação. É
um grave erro acreditar que basta ter o conhecimento da ciência para exercê-la
com proveito. Todo aquele que acompanha o filho do rico ou do pobre, desde o
nascimento e observa todas as influências más que atuam sobre eles por
conseqüência da fraqueza, do desleixo e da ignorância daqueles que os dirigem,
quando, freqüentemente, os meios que se utilizam para moralizá-lo falham, não
se pode espantar em encontrar no mundo tantos defeitos. Que se faça pela moral
tanto quanto se faz pela inteligência e se verá que, se existem naturezas
refratárias, que se recusam a aceitá-las, há, mais do que se pensa, as que
exigem apenas uma boa cultura para produzir bons frutos.
O homem deseja ser feliz e esse sentimento é natural;
por isso trabalha sem parar para melhorar sua posição na Terra; ele procura a
causa de seus males a fim de remediá-los. Quando compreender que o egoísmo é
uma dessas causas, responsável pelo orgulho, ambição, cobiça, inveja, ódio,
ciúme, que o magoam a cada instante, que provoca a perturbação e as desavenças
em todas as relações sociais e destrói a confiança, que o obriga a se manter
constantemente na defensiva, e que, enfim, do amigo faz um inimigo, então
compreenderá também que esse vício é incompatível com sua própria felicidade e
até mesmo com sua própria segurança. E quanto mais sofre com isso, mais sentirá
a necessidade de combatê-lo, assim como combate a peste, os animais nocivos e
os outros flagelos; ele será levado a agir assim por seu próprio interesse.
O egoísmo é a fonte de todos os vícios, assim como a
caridade é de todas as virtudes; destruir um, desenvolver o outro, esse
deve ser o objetivo de todos os esforços do homem, se quiser assegurar sua
felicidade aqui na Terra e, futuramente, no mundo espiritual.
Fénelon
O Livro dos Espíritos
Nenhum comentário:
Postar um comentário