quinta-feira, 15 de novembro de 2012


Viver com fé
Faltam atitudes que remetam a elementos ligados ao amor ao próximo, à paixão pela construção de virtudes

Fiquei desolado quando o escapulário dado pela minha mãe havia dois anos escorreu do mármore da pia diretamente para o ralo. Não que eu o considerasse um instrumento poderoso de sorte ou de proteção, mas ali residia um pensamento constante de fé.
Tentei recuperar o símbolo de todas as formas. Dava para ver um pedacinho de Nossa Senhora, com o Menino Jesus no colo, no meio daquela escuridão do cano que sabe Deus onde descambaria. Em vão. Foi para o além de meus olhos, dedos e pescoço.
Fiquei triste. Mamãe calou-se após conhecer detalhes do ocorrido, mas antes soltou aquele "Ahhhhh, filho" que me deixou com o sagrado coração apertadíssimo. O detalhe é que, naquele dia, eu iria visitar o Vaticano. Estava em viagem à Itália.
Por onde olho, atualmente, noto que faltam escapulários, fitinhas do Bonfim, guias. Faltam pensamentos e atitudes que remetam ao ambiente, às pessoas, às atitudes, a elementos ligados ao amor ao próximo, à paixão pela construção de virtudes e de uma sociedade mais fraterna.
Como me disse um motorista aqui do jornal, o Benê: "Não importa se seja pelo candomblé, pela Seicho-No-Ie, pela Igreja Católica, pelo espiritismo, as pessoas precisam agir mais, pensar mais positivo para melhorar o lugar onde vivem. Não dá para ser cada um por si em torno da sua religião".
O foco está direcionado demais aos resultados, ao melhor desempenho no trabalho, ao que fazer com o 13º salário. Junte-se a isso o trânsito do cão das grandes cidades, as dívidas do cartão de crédito e a violência. Pronto, acabou o espaço para pensar na fé.
Não quero provocar a fúria daqueles que não botam fé em valores imateriais como crer em uma força intangível, mas, para mim, muitas e muitas dores, dissabores, injustiças, desigualdades, preconceitos e outras desgraceiras só sucumbem a partir do momento em que se acredita.
Não é à toa que tenho devotado um pouco do meu tempo de descanso para apreciar o "Viver com Fé", um programa de TV que, estrelado pela atriz Cissa Guimarães, vai entrar em sua segunda temporada pelo canal pago GNT. Um bálsamo.
Com uma fórmula bem simples, gente desabrochando seus testemunhos do poder da fé, independentemente da sigla que se professa, o programa é inspirador para motivar reflexão em torno do espaço exaustivo que se costuma doar ultimamente para demandas que nem é preciso ir muito a fundo para caracterizar como pífias.
Enquanto uns agem com brutalidade com quem erra, há outros pacientemente agradecendo pela oportunidade de voltar a jogar; ao passo que enquanto uns se enervam pelo negócio perdido, pessoas sorriem grande por ganhar novas oportunidades.
Viver com fé ajuda a incentivar as crianças a gostar mais do arco-íris e a ter menos medo de tempestades. E crianças são as construtoras do sonhado e tão surrado "mundo melhor".
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Na semana passada, chegou lá em casa um pacote embrulhado em papel pardo cuja remetente era "minha santa". Dentro, afora muitos papéis amassados, um novo escapulário. Mamãe não mandou nenhum recado, nem colocou cartão. Mas é certo que não precisava. Ela botou ali a fé de que eu entenderia sua mensagem.

Jairo Marques

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